A carga de aproveitamento da imagem e da acusação contra um professor de ter feito alunas beberem água com sêmem excede espantosamente à dedicação que se dá às quase que diárias ocorrências de estupro de vulneráveis e importunação sexual no Estado.
Antes, uma colocação: o crime é terrível, o acusado deve ser julgado pela Justiça e pagar pelo que cometeu.
E as vítimas merecem reparação porque carregarão o trauma pela vida toda. Devem ser abraçadas, portanto.
No feriado, no entanto, com uma semana de atraso, ganhou páginas e redes de tv nacionais. O acusado, claro, teria praticado a conduta e ela é abominável como qualquer crime contra a pessoa.
E seu perfil seria a caricatura adequada do "coisa ruim". Ainda que a percepção caricatural não raro apresente-se meramente resultado de interações cerebrais conceituosas e preconceituosas.
No Tocantins, no entanto, em 2023 (Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024) ocorreram 925 estupros e estupros de vulneráveis. E 306 assédios e importunação sexual.
Mais: 7.537 ameaças a mulheres e 4.130 medidas protetivas concedidas de urgência. E que não conseguiram evitar as 2.252 lesões corporais dolosas às mulheres, ocorrendo 18 feminicídios e 36 homicídios. Sem despertar igual preocupação.
O ponto da curva seria, intuí-se, o “sêmem” na taça redirecionando o fato criminoso e o acusado a rituais satânicos (religião/imaterial curiosamente como qualificadora). Seria a causa da causa. E não o crime propriamente dito.
Praticado por uma pessoa de origem paradoxalmente de família evangélica!! Só pode ser coisa do "demo"!! Grupo que preferiu a igreja ao "diabo" que supostamente teriam gerado ao deixá-lo sem defesa e sem tratamento.
Fez, o certo, colaborando com a polícia. Mas deixou o filho ao incerto em queda livre aos quintos dos infernos. Uma literal aplicação da lei mosaica. Mas foi enaltecida pelas redes como família de bem que seria. E que deve ser mesmo.
Uma pessoa com tais características e condutas deveria certamente ser objeto de uma avaliação médica. A Justiça já está aí para aplicar-lhe a pena.
E se ao invés dele colocar na taça sêmem, tivesse sido dado urina? Ou cuspe? Uma garrafada... E aí a percepção recairia para o caráter religioso e sagrado do esperma.
E não nas suas propriedades físicas e químicas. O sêmem é considerado na Bíblia como um presente de Deus. Ou seja, só ele dele poderia dispor porque gera a vida.
Daí entende-se a intensidade da divulgação e reiteração do fato da bebida de sêmem por semanas, transformando o autor em um “monstro abominável” quando deveria ser punido pela Justiça.
Não pela natureza do suposto crime. Mas também pela atração que desperta. E tanto likes quanto acessos geram grana.
Deveria merecer um estudo femenológico.
Parece, a turba (até jornalistas), materializar o pensamento do filosofo alemão Martin Heidegger como “deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo”.
E o quê de fato ela mostra?