O govenador interino Wanderlei Barbosa deu a primeira bola fora de sua interinidade: cobrou dos deputados ações sobre as denúncias (que levaram ao afastamento de Mauro Carlesse) em resposta – segundo ele - a “cobranças da sociedade” e porque o Estado “estaria sangrando”. E isto tem nome e sobrenome: impeachment.

Até então Wanderlei havia deixado o deputado e assumido o papel de líder maior do Estado como chefe de um Poder (Executivo) legítimo, transmitindo ponderação e prudência. O sincericídio tem potência para anular tudo isto porque revela afetos individuais (ainda que circunstanciais mas possíveis) nem sempre bons conselheiros. Voluntarismos e passionalidades - como bem o sabem muitos agora aliados de Wanderlei - nem sempre resulta em soma positiva.

As declarações que lhe são atribuídas hoje pelo portal Gazeta do Cerrado (da jornalista Maria José Cotrim) são graves do ponto de vista político e institucional. Elas traduzem – sob este aspecto em que se coloca - pressão do governador interino pela apreciação do impeachment do governador afastado. Uma distorção na avaliação das competências constitucionais.

Se no parlamento como deputado Wanderlei poderia criticar o governo no uso de suas prerrogativas (e imunidades), como governador não pode criticar o Legislativo sem o escrutínio político da pressão ilegítima já que estaria fomentando um poder contra o outro e onde o Executivo (repassador de duodécimos e responsável pelas receitas estaduais) teria a maior força de pressão.

E que, por lógica pura, talvez o beneficiasse (não é inexorável sua aprovação), levando-o da interinidade à efetividade. Não haveria outro sentido de tão claro raciocínio por premissas transversais também muito clarividentes. De outro modo: governador fazendo uso do poder do Executivo em favor de interesse próprio. Uma tremenda bola fora. E olha que ele disse na mesma entrevista que já conversava internamente com os deputados. Decidiu, assim, tomar a frente e aí atravessou a rua para escorregar na casca de banana.

Ainda que Wanderlei tenha dito na mesma entrevista que o impeachment não estaria na pauta Executivo/Legislativo, as circunstâncias, sujeitos e objeto não acomodam a transversalidade do juízo de avaliação da coisa pretendida mesmo que se tentasse nela ancorar estratégia defensiva.

Impeachment é um processo político com fundamentos jurídicos e não um processo jurídico com fundamento político que exigisse compulsoriedade e obrigatoriedade de pauta e prazos. Ou seja, é dependente mais da vontade política do que imposição de dispositivos legais. Se o presidente do Legislativo não tiver a vontade política de colocá-lo em pauta, Executivo e Judiciário não poderão obrigá-lo. Na Câmara dos Deputados há mais de 130 pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro.

A cobrança, que de implícita não tem nada, implica na interferência pública do Executivo nessa vontade política (garantida pela Constituição) do Legislativo. A tentativa de um poder sobrepor-se a outro fazendo uso da má impressão que o público possa ter da omissão, no caso, de um dos poderes públicos.

As premissas para a tomada de posição, aliás, atribuídas a Wanderlei não tem em larga medida consonância com as conclusões a que chegou o  governador interino (como divulgadas) para sua decisão de exposição pública que soou mais como reveladora da ansiedade que deve tomar-lhe os dias do que com preocupação institucional.

O Estado, como é notório, não está sangrando. E isto, diga-se, resulta justamente do cuidado que Wanderlei tem tido, dando segurança ao empresariado e à população. A sua gestão (num processo altamente delicado) manteve o desempenho da arrecadação e das despesas e as transferências tem se mantido regulares possibilitando ao governo interino, dentre outras coisas, a regularidade e datas marcadas para transferências municipais e calendário de pagamento de servidores. Não é pouco.

Por outro lado, não se vê nas ruas a tal sociedade se manifestando pelo impeachment e nem o governador afastado se rebelando publicamente contra as decisões do STJ e as ações do MPF/PF. Motivos teria: o vazamento seletivo (e ilegal) de parte do processo quando este encontrava-se sob sigilo e sem que apresentasse sua defesa. Tem-se até agora apenas as impressões  das investigaçóes e conclusoes da PF e do MPF. Sem o contraditório.

Ou seja: apesar dessa gritante ilegalidade processual (sem juizo de valor das acusações) tudo seguindo o rito democrático. O contrário emergiu só agora com a declaração impensada do governador interino de cobrança de providências do outro poder, o Legislativo que, tivesse musculatura parlamentar ,colocaria o pedido do Sisepe em pauta e o derrubaria. Apenas para demonstrar que os poderes são independentes, ainda que interdependentes e que na República ainda está valendo os freios e contra-pesos. É só um dos riscos do sincericídio intempestivo e inoportuno.

O governador interino vai bem. Mas convém , para seu próprio projeto político, que não ultrapasse certos limites pois eles próprios é que garantem sua permanência no cargo.

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