Setores do Ministério Público do Estado não raro expõem suas dificuldades para compatibilizar vontades políticas circunstanciais e a autoridade da lei de que são investidos. Uma confusão entre a autoridade da lei e a lei da autoridade.
Lembro-me do início dos anos 90, começo de Estado e Capital. Presenciei como jornalista (realizando cobertura para o Jornal do Tocantins cuja redação coordenava) uma disputa entre as procuradoras Marilene Mendes de Oliveira e Dinair Franco dos Santos pelo cargo de PGJ, ali na PGJ, no prédio das Secretarias. Marilene queira continuar no cargo (após o mandato) e o então governador Moisés Avelino acionou a Justiça.
Eu e o repórter fotográfico Márcio di Pietro (ou Roberto Carlos, não me lembro agora) fomos testemunhas da quase vias de fato no gabinete da PGJ entre os promotores José Omar de Almeida (promotor, sobrinho de Marilene e então chefe de gabinete da PGJ) e Alcir Rainere (então promotor e hoje procurador aposentado exercendo a diretoria jurídica da Assembléia) expulsando, aos empurrões e gritos, o procurador geral do Estado, advogado Coriolano Santos Marinho, com a decisão debaixo do braço e acenando o papel. Uma decisão judicial.
Se houvesse celular, reels, instagram e redes sociais teria viralizado. Mas tínhamos que revelar o filme, copiar a foto e transmiti-la para Goiânia via telefoto, preto e branco, cujo tempo de transmissão de cada uma das fotografias era de cerca de meia hora. Texto via fax e quando faltava energia, naqueles aparelhos de telex semelhantes aos dos correspondentes de guerra da UPI Press ou Reuters. Seria hoje escândalo nacional.
Coriolano, um advogado baixinho, de fala mansa de Miranorte, despachado por dois grandalhões (Alcir e José Omar que mais tarde virariam procuradores de Justiça) com aquele papel que para os aliados de Marilene não valia nada.
Dinair mais tarde assumiria o cargo. A querela simbolizava a dualidade Siqueira Campos/MDB. Marilene tinha sido nomeada por Siqueira e Dinair era tida como emedebista. Uma confusão entre a autoridade da lei e a lei da autoridade, como disse.
É pouco do que se apreende e poderia bem ser aplicado ao atual processo de escolha do membro do parquet para ocupar a vaga de desembargador em curso. A sessão do Conselho Superior para escolha da lista sêxtupla (que estava prevista para 10 de outubro) foi transferida para 30 de outubro.
De acordo com o edital, todos os membros do Conselho Superior que desejassem concorrer ao quinto constitucional deveriam se afastar até a data de 18 de setembro, quinze dias antes do início do período de inscrição para concorrerem à vaga de desembargador. Afastaram-se apenas Luciano Casaroti, Maria Cotinha Bezerra e José Demóstenes de Abreu. Procuradores respeitados, mas a questão é de outra natureza.
Há impugnações impetradas pelo promotor Bruno Simonassi: Maria Cotinha e José Demóstenes teriam participado da elaboração das regras de escolha (de que participariam) e Luciano Casaroti não cumpriria o requisito de tempo no MPE. Teria 10 anos como promotor, mas seis dos quais presidindo a Associação do Ministério Público. Onde, evidentemente, não teria exercido o ministério. E ainda por cima era presidente do Conselho.
Outras inconsistências, entretanto, melam o pleito. Com a saída de Luciano Casaroti da presidência do Conselho Superior assumiria o cargo o procurador José Demóstenes (o vice) que também disputa o cargo e, portanto, teve que ser afastado.
Para o lugar de Casaroti (presidente do Conselho) foi nomeado o seu chefe de gabinete, promotor Abel Andrade que julgou (como presidente interino) o processo de escolha junto com apenas outros dois procuradores, sendo que um deles obviamente suspeito (Abel por ser chefe de gabinete de um dos interessados). O Conselho só seria recomposto após a escolha da lista. O calendário inicial previa que a inscrições seriam de 26 setembro de 2023 a 02 de outubro de 2023. A publicação dos inscritos seria no dia 3 de outubro.
Um problemão para o Conselho Superior do Ministério Público. Até porque a lista não seguiria apenas as vontades políticas, como se deduz da Resolução CSMP Nº 009/2015 (da lista sêxtupla). Caso contrário, só seriam desembargadores os procuradores de Justiça.
Nada mais revelador. Lembram-se da eleição para procurador geral de Justiça em 2020 de Luciano Casaroti? Na apuração dos votos, a Comissão Eleitoral (composta de três promotores) identificou na eleição mais votos que eleitores: 108 (votos) contra 107 eleitores!!! Tudo registrado em ata. Conforme cópia das atas e recursos. Ainda assim a eleição foi considerada legal pelo Conselho.
E aquela resistência em 2019 da PGJ de deixar um promotor em Tocantínia mesmo sem comarca que havia sido extinta pelo Tribunal de Justiça!! Os promotores questionaram no CNJ a extinção da comarca pelo Tribunal de Justiça!!!
Quando a norma do CNJ não é só promotores que são obrigados a cumprir. A Justiça também: juiz não pode morar fora da comarca. Delegado também não.
Pois é.