Desde a perda de proeminência econômica com o advento da Belém-Brasília (inaugurada em 1.960 e que foi BR-14 até 1.964) - quando as cargas deixaram os rios (definhando seus portos) pelas rodovias -, recuperou-se momentaneamente, a cidade, com a construção da ponte sobre o rio Tocantins (1.978). Mas por pouco foi passada a raso com a construção de Palmas (1989) e a sua arbitrária submissão econômica à região metropolitana da Capital (2002), subjugada por uma decisão burocrática governamental alheia às questões atinentes a relação política/espaço geográfico/território. Hoje, a cidade dá sinais de recuperação econômica e é polo universitário, retomando um fio interceptado lá atrás quando era referência regional, econômica e cultural e para o mais que o valesse.
Há, entretanto, no observatório da população, em plena era digital de HD um retrovisor panorâmico em CinemaScope. E isto, se não a desintegra, a fortalece. No fundo do lago da hidrelétrica de Lajeado (um dos dínamos do capitalismo à larga), ali alojado sem qualquer escrúpulo, a cerca de 20 km da sede do município, na margem esquerda do rio, antes de Mangues (hoje Luzimangues) está fincado o que foi o Arraial de Pontal. Do outro lado, as barrancas do rio Tocantins que abrigaram um canoeiro, um território que agregou gente e juntos, uma cidade. Nação que emerge a cada celebração de fundação de Porto Nacional, deles originária. Pontal está ali (como a sombra da canoa de Felix Camoa), refletindo imerso no espelho dágua, os arcos românicos (de pedras canga e adobe) imponentes da arquitetura do centro histórico da cidade e sua abadia (Igreja Nossa Senhora das Mercês) que principia um monastério (Seminário São José). Monumentos que, na mesma proporção, também os reflete. Ainda que componentes históricos lhe sejam refratários, apesar de tombados pelo patrimônio histórico nacional, a garantir-lhes sobrevida.
De forma que, quando dias atrás, um grupo de jovens alienígenas de 20 e pouco anos (ou menos) vaiou, na abertura de uma partida de futebol, no Estádio General Sampaio (construído na década de 50 por uma centena de recrutas do Tiro de Guerra que arrancaram pés de pequi e jatobá com os braços), a execução do Hino de Porto Nacional (José Teodoro Negre / Maestro Adelino Gonçalves - um dos símbolos remanescentes de lugar de história tão densa - talvez exacerbasse o que traduzia Spinoza como "consciência (que prefiro inconsciência) da liberdade", na ilusão da imediatez: aquela sensação de liberdade e independência nas próprias decisões e ações apenas enquanto nos mantemos dentro dessa imediatez e "justamente por causa dela".?
É mais certo que os "protestantes", no seu pragmatismo imediato, desconhecessem conjuntos teóricos que os levasse a ignorar (como todo comum de dois gêneros , de pouca cultura) o que ali se apresentava. Interessados mais, com efeito, numa desciclopédia wikipediana que na história propriamente dita. Desconectados de versos do hino como A Brasília cidade de Porto, no reinvento de José Bonifácio, (a primeira pessoa a se referir a Brasília em 1.823), cadenciados por Dediquemos aos nossos vindouros/Altos feitos da quadra presente/Uma herança de amor pelo berço/Tocantins entre todos fulgente, muito antes da criação do Estado que, ao contrário de Porto, não tem tido boa convivência com o personalismo de seu símbolo.
Contraditório-Residia, no contexto colocado, a priori, um paradoxo e uma contradição. Esta (contradição), observando-se o desconhecimento dos antagonistas como depositários de sentimentos da história de duas cidades (Porto Nacional e Gurupi), hoje repositórias de cinco universidades e uma dezena de faculdades dos quais se imaginava uma dimensão maior de compreensão histórica. Aquele (paradoxo), por provocar o raciocínio de que, apesar dos meios e processos acadêmicos, não haveria avanço em questões elementares. E, aí, a situação seria o oposto do que se tem como verdade. Ainda que Gurupi, ex-distrito de Porto Nacional, surgida na segunda metade do século XX , na BR-153 e de costas para o Vale do Tocantins, de onde se origina (tal na relação criador/criatura), não se inscrevesse nas páginas do século XVIII (tampouco a elas, aparentemente, visitasse), como Porto Nacional, nele se insere.?Hoje ocupando-se, na direção inversa de virar-se do Vale (sem dar-lhes as costas) - onde preponderou por séculos - para a BR que, por pouco, não a aniquilou. Retomando, neste cartesiano, a linha imaginária que a principiara, mesmo que contraditória: porto e sertão.
Desde o mito de origem, repassado por via oral (o massacre que teria sido perpetrado pelos índios Xerentes ) que serviu para a construção da própria identidade da população de Porto Real no antagonismo da "violência" recíproca índios/brancos, a cidade demonstra ação e reação, material e filosoficamente. Reforçando o próprio discurso que repetido várias vezes cumpriu sua função até aqui, mesmo que pretextando a contaminada incompreensão difusa do hino - originária de movimentos estéreis, com déficits de substância, próprios da era digital e das redes sociais.
Território- Se em Pontal (fundado em 1.738, daí os hoje comemorados 275 anos de história de Porto) e Matança (na beira do córrego Matança entre o Tatá e o rio Carmo, na margem esquerda do Tocantins), lá em 1840 (quando Porto era apenas um entreposto para Carmo), ao mesmo tempo em que matava-se gente (brancos, negros e índios/amarelos), garimpava-se ouro nas ruas (ainda em 1.931 o brigadeiro Lysias Rodrigues registrava relatos de moradores sobre pepitas encontradas nas ruas e corguinhos) hoje Porto segue na direção da mesma relação telúrica. Como a descoberta, há cinco anos, bem próximo, de uma jazida de ferro de 150 bilhões de toneladas na Serra do Carmo (dez vezes a capacidade de Carajás) que abrange também parte do território carmelitano/portuense. Indício de mais "quinto" para a região, 233 anos pós-Padre Gama.
Neste contexto, Luzimangues emerge, como um Pontal renascido, ali, logo depois da Matança (onde ocorreu o massacre que principiou a mudança dos moradores do Arraial para o que seria mais tarde portoReal/Imperial/Nacional) e hoje exibe investimentos de R$ 230 milhões de uma Refinaria/Distribuidora da Petrobras. Escorado, também, no lançamento de um edifício com três torres, num lugar onde já são registrados 30 mil lotes matriculados contra os 20 mil existentes na sede do município. Passado interligado ao futuro, sujeito encontrando-se com o seu objeto, na mesma linha - história e território - realçada pelo príncipe regente Dom João quando, em agosto de 1.811, ofereceu vantagens a quem se instalasse nas margens dos rios, beneficiando Porto Real, que já era há cinco anos (desde 1.806) cabeça do Julgado, transferida de Carmo por Dom João VI (e instalada por Teotônio Segurado). Transformando-o num dos maiores entrepostos de mercadorias, até Belém (PA) e vice-versa: o porto e o sertão.?
E aí, voltamos a Spinoza e os garotos do hino: seriam, por excelência, representantes de um verniz escolástico presente na história portuense, consequente de uma consciência de liberdade imediata que produziria uma independência de decisões? Não seria esta orientação discursiva dialética da escolástica européia tão presente no cristianismo católico - de presença basilar no processo de aculturação (franceses, brasileiros,portugueses, índios, brancos e negros) da cidade - o motor-home de tanta inquietação e transformação??De tudo, uma certeza: a mesma força que possibilitou o surgimento da cidade, ainda que provocada por uma fuga que poder-se-ia ser compreendida como covardia, transformou-se num instrumento eficaz de desenvolvimento regional que a cidade, hoje, parece resgatar com o vigor de quase 300 anos. Em resumo, repetindo: "A vida é breve, a arte é longa, a ocasião fugidia, a experiência enganosa, o julgamento difícil"....