Quando vou a Porto nos fins de semana, apego-me, certo modo, ao trecho entre o ribeirão São João e o Xupé. Antes das grandes plantações de soja, esse pedaço de chão pertencia a uma família de negros açougueiros da cidade. Os principais eram Diomar, Simãozinho e Pedro. Venderam-na quase de graça, numa época em que pouco se importava com estas terras tituladas pela igreja. Carne de boi e porco tinham mais serventia.
O trio como que dominava o mercado de carnes nos açougues do Municipal (hoje Bibilioteca Eli Brasiliense). Na década de 70, na escassez da carne, mandavam e desmandavam no produto. Faziam o preço e as medidas. Não entendiam de economia, mas de instinto. Regras sanitárias, nenhuma. O povo queria mesmo é um pedaço de boi ou porco para jogar na panela. E eles o davam.
Simão – o mais atrevido – nos tempos de vacas magras quando o cidadão pedia um quilo de carne de primeira, ele colocava metade do pedido na balança e a outra metade ele completava com um pedaço de osso.
Reclamado, resmungava: uai, você leva a carne de primeira e eu fico com o osso!!!! Se não quiser, tem quem queira. E o consumidor resignava-se com metade de osso e metade de carne, mesmo pagando por um quilo de carne de primeira. Enfiava a carne no gancho e ia embora. Com o pedaço de osso que ninguém comia.
Era o osso da carne. Hoje um quilo de osso é vendido por R$ 4. E cidadãos disputam-no a tapas para ter pelo menos um caldinho com gosto de carne. A carne de primeira é comercializada na Capital a R$ 80,00.
Considerando que os frigoríficos do Estado (que alimentam os açougues) exportaram de janeiro a setembro deste ano (com impostos internos na faixa de 3% e zero na exportação) o equivalente a R$ 1,571 bilhões (em 2020 foram R$ 1,773 bilhões), Simãozinho e seu capitalismo “selvagem” do osso da carne seria uma brincadeira lúdica de criança.