Augusto cumpriu ontem, na quinta-feira santa, uma promessa que fizera a Emilia, sua companheira de quase sete décadas e sete filhos. Desceu aos pés de Nosso Senhor do Bom Jesus, em Bom Jesus da Lapa (no interior baiano) em agradecimento da cura de um câncer aos 92 anos.

Cumprindo seu destino, Emília não viveu para acompanhá-lo, como era projetado. Assim como não projetava deixar-nos antes de realizar o que considerava predestinação. Entrou no hospital conversando, achando que, como nas vezes anteriores, seria apenas um caso de equilibrar a saturação.

Foi-se Emília há quatro meses com uma Bandeira do Divino dobrada sobre seu peito, a acompanhando à morada eterna. Repousa no sepulcro erguido por Augusto, seu próprio parceiro de vida, como se tivesse Augusto projetado início, meio e fim.

Primeiramente dele e  não da companheira que representava seus olhos e tradutora, posto a labuta não ter-lhe dado oportunidade mais do que para aprender a assinar o nome.

Típico de Augusto que, quando eu adolescente estudava na Escola Técnica Federal de Goiás e perderia pontos por não desfilar no 7 de Setembro, vendeu a única arma que tinha, comprou um kichute (e uma passagem na Viação Araguarina/depois Transbrasiliana) e me entregou no amanhecer do dia do desfile, num dia chuvoso, num barracão no Bairro Popular, de uma cidade onde ainda não tinha pisado o pé e sem conhecer o endereço, dado que analfabeto. Para que eu não fosse reprovado por pontos. Havia isto na ditadura militar.

Emília legou a Augusto o hábito e dever do rosário e dos terços diários. Orgulha-se Augusto até hoje de ter pertencido à Congregação Mariana (uma espécie de Filhos de Maria). E como nos cânticos que entoava em dias de chuva braba com os filhos em semi-círculos no seu colo na cama de capim deve, onde estiver, cumprir a profecia: ”no céu, com minha mãe estarei, na santa glória um dia, junto à virgem Maria, com minha mãe estarei”.

Augusto expôs ontem, mesmo com o peso da idade e da falta da companheira, a energia espiritual que carrega desde o dia em que uma epidemia levou pais e familiares deixando-o aos 10 anos e outros quatro irmãos menores. Rumou a pés do sertão baiano e aportou em Porto Nacional, onde aprendeu o ofício de pedreiro com Mestre Antônio, na construção do Colégio Sagrado Coração de Jesus.

A partir daí não parou mais. Construiu mais de duas centenas de casas em Porto Nacional e escolas na zona rural (Escola Brasil, Taquarussu, São João, Água Fria, Xupé). Em troca, o suficiente para comprar arroz, feijão e o querosene da lamparina. Recusou sempre o que não lhe era devido.

E mais ainda: construiu, sem custos, a Igreja São Judas Tadeu, para o padre Luso, hoje em processo de beatificação e a quem deu um dos filhos como afilhado. Sempre com a mesma determinação e zelo pelo bem.

Mais de 70 anos de profissão, aposentou-se como pedreiro deixando como legado aos filhos o que respondia na hora da bênção: “Deus lhe proteja para o bem” e que repito aos meus filhos.

Augusto é meu pai. Um guerreiro que não só nos protegeu para o bem, como segue praticando aquilo que nos ensinou a vida toda.

Uma herança santa.

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2 Comentário(s)

  • Jorge Couto
    29/03/2024

    Viva, Sr. Augusto!?? Um exemplo de vida!????

  • Nilson Viana Pires
    29/03/2024

    Grande lição de vida, de um homem simples, mas que através da sua fé, trabalho e honestidade, venceu na vida e deixou muitos exemplos, que devemos seguir.

Ponto Cartesiano

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