O secretário de Saúde de Palmas, médico e empresário Nicolau
Esteves fazia, na noite de ontem (e na
manhã de hoje) um esforço hercúleo para explicar, na televisão (TV Anhanguera) o porquê de, das nove ambulâncias do Serviço
Médico de Urgências Samu, apenas duas estarem funcionando na administração
Carlos Amastha que é o prefeito da cidade há exatos seis meses. Nicolau, mesmo
não indagado, é provável tivesse no consciente uma equação com resultado
aritmético de menos, mas que as circunstâncias políticas obrigavam-no a fazer
uma conta de chegada de mais, ainda que este
superávit artificial, fincado no produto de um déficit de gestão, importasse em vidas e, assim, também resultasse
em mortes.
Ele não titubeou: disse que vai resolver imediatamente, não
se atentando que a sua celeridade expunha as prioridades da administração
sobre assunto que postergou por 180 dias. Mesmo a Prefeitura de Palmas tendo
recebido de janeiro a junho deste ano R$
25 milhões e 189 mil do Fundo Nacional de Saúde (25% de tudo que o governo do
Estado teve do mesmo fundo no período para todos os municípios). Isto aí,
somados aos R$ 20 milhões e 624 mil destinados pelo Fundo à cidade de Palmas
(por intermédio do governo estadual) e aos R$ 67 milhões do FPM (dinheiro não
carimbado recebido até maio), é bem provável que sobraria uns poucos trocados para consertar meia dúzia de ambulâncias .
Mas não é este o ponto. Ainda que se encontrem no mesmo cartesiano. O pensador suiço Henri
Benjamin Constant de Rebeque (Princípios da Política Aplicáveis a Todos os
Governos - 1.810) dedica um capítulo a uma questão primordial: São os erros
governamentais menos perigosos que os dos indivíduos?. Lá, Benjamin Constant
demonstra a necessidade de que não podemos nos conformar de que, se os erros
são inevitáveis, devamos achar que é melhor que o governo os cometa e que o
povo obedeça. Seria como se concedêssemos ao governo poderes totais para fazer
por nós o errado. Isto geraria o malefício positivo o que terminaria fazendo
com que a população se ajuste aos erros, ajustando seus interesses e
comportamentos.
Pois é. O Amastha das ambulâncias é o mesmo que tenta, com o
uso desabrido de falácias e retórica chinfrin, impor um erro à população (um
acerto a depender do ponto de observação) em setor estratégico: abastecimento
de água e tratamento de esgoto para os 242 mil moradores da Capital.
Estou
pouco lixando para lucro de empresários (e seus interesses privados) mas não
necessita ser um técnico (ou um grande
pensador) para concluir que:1)a prefeitura não tem como assumir o sistema de tratamento de água e esgoto de Palmas e a sua
expansão;2) a prefeitura (e nós contribuintes) não tem recursos para indenizar
a Saneatins em R$ 250 milhões para a retirada da concessão; 3) Raul Filho, como
prefeito, era a autoridade responsável por dar a anuência à mudança societária
na empresa no ano passado; 4) se Carlos Amastha não anuir ao contrato, não
haverá empréstimo da Caixa e a prefeitura terá que indenizar também os R$ 32
milhões já aplicados desde janeiro do ano
passado no mesmo projeto e ficará sem o investimento de R$ 240 milhões; 5)se Carlos Amastha não anuir até amanhã, o processo terá que ser refeito porque
certidões/documentos têm prazo de
validade e não serão aceitos simplesmente pela decisão volitiva do prefeito.
Vejam bem. Palmas tem 242 mil habitantes. A água potável da
cidade vem do Taquaruçu e do córrego Machado. Este sistema está praticamente
esgotado. Não há, por certo, outros cursos dágua disponíveis. Para não acabar
com esses mananciais, será necessário
buscar água em outro lugar. No lago, a
melhor água é aquela do leito do rio Tocantins, que necessita, para ser
captada, de equipamentos especiais. E isto requer dinheiro que a prefeitura
certamente não possui.
É uma decisão política democrática de Carlos Amastha
estabelecer níveis de pressão, ao seu entendimento, mas que se torna ilegítima
quando causa transtornos à população que ainda não tem a noção exata do que
significa. E aí, volte-se a Constant. O prefeito estabelece um paralelo, no
mínimo discutível, entre a formalidade da anuência ao empréstimo (que a
prefeitura não se obriga a qualquer desembolso) e a concessão. Isto tudo quando já
se expira o prazo. A prefeitura criou uma comissão de processo administrativo
com fins indiscutíveis. Não há
qualquer dúvida: o prefeito quer retirar a concessão da Saneatins. Ele
pode?Claro que não, a não ser que comprove alguma irregularidade no atendimento
da companhia, seria um não cumprimento de contrato. E aí a indenização de R$
250 milhões para uma cidade de orçamento anual de R$ 756 milhões.
E porque Amastha faz de
afogadilho esse barulho já que o contrato está sob análise da prefeitura desde
março deste ano (cinco meses!!). E desde abril, os originais para assinatura
estão no Paço? E se de lá para cá já foram realizadas 12 reuniões presenciais
entre técnicos da prefeitura,secretários municipais e estaduais, proprietários
de terrenos e a companhia, com apresentação do plano de investimentos na
própria Câmara Municipal? Onde estaria a tão propalada pressão de sentido inverso, oriunda dos empresários que estabelecesse um confronto com sua competência e o poder público? Como se nota, o componente político se sobressai e aí
descamba para o subjetivo dos corredores e escaninhos burocráticos.
E o que está em jogo:
implantação de novas redes coletoras de esgoto que vão atender 50 mil moradores
da cidade (elevando o atendimento a 80%
da população). Curioso é que o plano de aplicação foi modificado a pedido da
própria prefeitura. Nestes R$ 240 milhões está prevista, inclusive, a captação
de água no leito original do rio Tocantins (no
meio do lago, com emissários submarinos), uma demanda urgente, dado o
esgotamento dos mananciais que abastecem
a cidade e que, pelo plano, se implanta em quatro anos.
Como se observa,
juridicamente esta situação é clara. Os assessores do prefeito já o perceberam
e começam a fazer uma espécie de revisionismo nos seus próprios argumentos
iniciais. Já estão até dizendo que se os documentos estiverem corretos, não se
questionará a concessão, estabelecendo uma liga direta entre uma concessão e um
empréstimo privado de R$ 240 milhões num
banco estatal. Ou seja, o jurídico da
prefeitura está revisando...o jurídico da prefeitura. E jogando no caldeirão, como
uma espécie de moeda de troca, a concessão.
De outro modo, quem deve estar sorrindo de orelha a orelha são os empresários concessionários do transporte coletivo urbano. Esta situação pode dar a Amastha argumentos suficientes (sob a linha dos seus métodos) para não questionar as concessões dos ônibus urbanos. Ainda que a concessão de água é esgoto tenha sido repassada à Saneatins quando ainda era estatal (não necessitava licitação) e a do transporte coletivo, para empresas privadas, sem licitação. Podendo residir aí (sob critérios republicanos de análise, pelo menos) o objeto do questionamento da companhia de água. Só que uma coisa é outra coisa, mas para o Paço pode não ser. Consequência lógica: a prefeitura poderá continuar em berço esplêndido naquele prédio da JK com todos os seus anexos e adereços. E estaria completa, neste setor, a apostasia amasthiana: não mexo na água, mas também não mexam nos coletivos urbanos!!!
Pode não se dar assim. As instituições democráticas estão firmes a zelar com os seus freios e contrapesos, decisões despóticas. E a população pode lembrar-se de Benjamin Constant.