É de Ferreira Gullar a frase lapidar: "A arte existe porque a vida não basta". Leio em o Popular (jornal de maior circulação em Goiás) as celebrações pelos 30 anos do Projeto Martim Cererê. Na verdade o mais relevante movimento cultural goiano da década de 80.
Um projeto plantado em caixas dágua abandonadas no Setor Sul em Goiânia o que lhe emprestava certa imagem lúdica na interpretação. Teatro, poesia, artes plásticas, música, cabaré. Tudo ali nos teatros Ygua e Pygua. Uma revolução liderada por Marcus Fayad, um diretor de teatro goiano que trocou a Globo pela instalação do Martim Cererê.
Dali saíram atores e atrizes que fizeram carreira na própria Globo (Ingrid Guimarães está aí). Viajaram o mundo com a fantástica peça Martim Cererê. Vai demorar aparecer projeto igual e com tamanha dimensão e qualidade. Uma mudança de conceitos no teatro de Otavinho Arantes, Cici Pinheiro, João Bênio ou Hugo Zorzetti.
Nas celebrações, a lembrança dos poemas nos muros. Digo lembranças e não saudade, tomando emprestado de Mário Lago, que não podemos querer de volta o que o tempo não nos trará.
E ali no muro, o poema Feridas, de José Sebastião Pinheiro (que já honrou-me com o prefácio de alguns dos seus livros de poemas publicados). Boas lembranças daquela efervescência cultural que acompanhei por dentro. Seja como ator (Grupo de Teatro Opinião/Grupo Êta Nóis) ou como notívago mesmo, no aconchego musical dos barzinhos do projeto.
Deixei o teatro e busco na literatura e jornalismo o que a vida não me concede. Tião Pinheiro, mais resistente, segue, como Ferreira Gullar, fazendo arte poética porque a vida apenas não lhe basta.
Com parcerias maravilhosas na música (canções gravadas por Paulinho Pedra Azul, Osvaldo Montenegro e tantos outros goianos e tocantinenses), se entrega no fechamento do seu sexto livro de poemas que considera, mais por amadurecimento do que pela relação numérica, mais conciso e denso. E, antes de tudo, humano, demasiadamente humano como ele próprio o é.
Tião Pinheiro – que fazia arte poética antes do Martim Cererê – depois dele, não saiu dele. E continua, como no poema de mais de três décadas no muro, "tentando o perfume da flor". Por que a vida só literalmente não lhe basta.