Caros, como o leitor lê aqui todos os dias, tenho diariamente uma avaliação crítica do governo. As dívidas da Administração com aluguéis (não só na Secretaria de Segurança Pública) as aponto por aqui desde 2010. A apropriação indébita e crime de responsabilidade nos consignados, Plan-saúde, Igeprev e do Fundeb, idem. Inclusive sobre o retrocesso da comunicação do governo de filtrar releases das secretarias. Em vigor. Fui um dos poucos a apontar a centralização - ainda que um direito do governo que pode ter suas razoes para dele fazer uso para evitar desinformação. Não concordo, mas não fui eleito.

Isto tudo aí o governo conseguiu encobrir com a discussão sobre o Decreto 5.915/2019. Um manual de procedimentos na polícia civil. Nada mais que reuniu os dispositivos do Código Penal, Código Processo Penal, Código Civil e Constituição.

Os mais exaltados e apressados gritam: censura!!! Endurecimento!!!! Perseguição a delegados!!!!Ora, então não estamos sob a égide do estado democrático de direito. Para alguns, estado de direito seria a liberdade a delegados para, a partir de supostas acusações, sair por aí convocando coletivas e apontando culpados sem o contraditório e o escrutínio do poder Judiciário.

A discussão alcançou até os fake-news consentidos. Não há no decreto qualquer artigo determinando que buscas e apreensões (determinadas pela Justiça) tivessem que passar pelo crivo do coordenador dos delegados.  E sim que busca e apreensão deverão ser coordenadas pelo delegado do inquérito. Na parte concernente, o manual apenas seguiria isto aqui:

O entendimento desta forma foi construído a partir deste artigo:

Art. 75. A busca em repartições públicas, quando necessária, será́ antecipada de contato com o dirigente do órgão onde será́ realizada, aplicando-se, no que couber, o previsto nesta Seção.
  • 1o Quando a comunicação com o dirigente ou responsável do órgão puder frustrar a diligência a ser realizada, a busca realizar-se-á sem esta, mediante prévia autorização do Delegado-Geral de Polícia Civil em despacho fundamentado.

Como é notório, ninguém, nem mesmo policial pode adentrar uma residência ou orgão público em busca de documentos sem se identificar a autoridade responsável. Este contato aí foi interpretado, correta ou incorretamente, como um aviso da operação.

Então este dispositivo aqui, do Código de Processo Penal, seria o mesmo:

Art. 250. A autoridade ou seus agentes poderão penetrar no território de jurisdição alheia, ainda que de outro Estado, quando, para o fim de apreensão, forem no seguimento de pessoa ou coisa, devendo apresentar-se à competente autoridade local, antes da diligência ou após, conforme a urgência desta.

É a lei. Mas já se espalhou que o delegado-chefe teria, assim, a prerrogativa de cumprir ou não o mandado judicial. Outro crime. Uma interpretação deliberadamente equivocada que o decreto não sustenta.

E o que dizer da gritaria de que jornalistas teriam sido, pelo decreto, impedidos de acompanhar busca e apreensão. Não pode mesmo!!!! E não é pelo decreto!!! É pela lei!!!! Imagina um policial ou delegado adentrando uma casa para conseguir provas que sustentem uma acusação acompanhado de cinegrafistas e jornalistas!!!

O que está em jogo aí são os direitos civis além da aplicação penal. Enquanto não forem condenados, seus direitos civis permanecem e não podem ser aviltados por autoridade nenhuma. Nem Judiciário. A polícia não pode sair por aí divulgando peças de inquérito. Até porque não submetidas ao contraditório.

E aí eles fazem uso dessa confusão. Explico: o jornalista vive de notícia e não pratica crime ao ir atrás das denúncias. A autoridade policial (e o servidor público) é que não pode fazer uso do que coleta no exercício de suas funções de polícia para outros interesses porque o praticaria e também estaria sujeitos às penas da lei. Eles (ressaltadas as exceções) fazem isso de forma recorrente que para muitos já é a regra. Não é!!!

Isto aí não tem nada a ver com falta de transparência. E sim com a proteção a direitos individuais que a lei consagrou. E ainda não estamos num estado policial. Na verdade, um grupo de delegados tenta implantar no Estado o que os delegados da Polícia Federal e procuradores da República fizeram na Operação Lava-Jato.

Um monte de ilegalidades e arbitrariedades como essa dos dias atuais de criação de uma fundação privada com recursos de R$ 2,5 bilhões oriundos de desvios de recursos públicos. E que se note: é apenas um grupo. Há delegados que primam pelo cumprimento da lei.

Apontar essa inconsistência não é, em absoluto, concordar com os desmandos do governo que, no Tocantins, em determinados casos, é chave de cadeia. Mas é uma decisão que deve ser tomada pela Justiça e não por delegados e agentes.

O decreto, por inócuo (já que existe farta legislação sobre o assunto) parece ter cumprido o seu papel: irritou os delegados, apresentando-lhes o que pensam do estado de direito, confundiu jornalistas que não leram direito o decreto e fez o circo se deslocar dos problemas mais graves da administração: pessoas morrendo nos hospitais todos os dias por falta de remédio. Mesmo que o governo tenha um orçamento anual de R$ 1,5 bilhão na saúde. Proporcionalmente um dos maiores orçamentos da saúde no país.

 

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